Uma nova Guerra Fria: O aquecimento global como oportunidade




A disputa pelo território gelado situado no pólo Norte do planeta Terra não é uma questão recente, apesar do aumento da importância geopolítica que tem vindo a ser demonstrado. Mas… porquê todo este interesse em torno de um território (aparentemente) pobre em recursos e de extremas condições climatéricas?
Diversos estudos (como é possível ver no vídeo) têm vindo a demonstrar que cerca de 30% do gás natural e cerca de 13% “ouro negro” por descobrir no planeta se encontra nesta região, segundo dados do U.S. Geological Survey. Os custos para a exploração destes recursos são ainda muito elevados, devido ao seu difícil acesso. Para além desta importante referência, notemos também que com o aumento progressivo da temperatura global, a massa gelada vai derretendo, pondo à disposição novas rotas marítimas para comércio, facilitando a conexão entre a Ásia e o Ocidente. Apenas com estas duas referências, é possível adivinhar-se o porquê da acesa disputa pelo território em questão e quais os stakeholders deste jogo geopolítico. Para ainda melhor compreensão desta disputa, há que ter em conta que o território em questão representa actualmente águas internacionais. Os países com território terrestre no círculo polar Árctico (Canadá, Rússia, Noruega, Dinamarca e E.U.A) têm direito exclusivo de exploração das 200 milhas náuticas que vão para além da sua plataforma continental (a chamada Zona Económica Exclusiva). Dá-se o caso de o pólo Norte se encontrar fora das ZEE’s de todos os países em questão, daí todo este interesse geopolítico. Há ainda que destacar o interesse emergente da China na região, não tendo pretensões territoriais, mas sim a criação de uma “Rota da Seda Polar”, focando o investimento no comércio e na sua cada vez mais poderosa frota naval.
A meu ver, o principal player desta “corrida” ao Árctico é a Rússia. Para além de ter sido o primeiro país a apresentar uma estratégia concreta para este território (reclama territórios no Árctico desde 1926), é o país que tem sido mais coerente e insistente, sendo igualmente o actor mais agressivo e o que tem mais população residente nesta parte inóspita do globo. A Rússia insiste neste território, quer seja pela travessia de navios quebra-gelo, ou pela colocação da bandeira russa no local exato do subsolo aquático a que corresponde o pólo Norte do planeta Terra. Para além destas provocações, há que salientar a presença de um número significativo de bases militares russas na região em questão, mostrando assim o interesse geoestratégico do Árctico. Podemos então estar perante um renascimento do clima de Guerra Fria, pelo aumento da presença militar no círculo polar Árctico, não apenas por parte da Rússia, como também da NATO/OTAN, trazendo à memória esta “luta” entre Ocidente e Rússia, colocando em risco a segurança mundial.
O aquecimento global parece então ter algum impacto na política externa de Trump, ao contrário do que este afirma, pois não reconhece este triste fenómeno. Com o degelo progressivo desta região polar, novas oportunidades emergem. A Noruega e os E.U.A pretendem focar a sua intervenção na exploração de combustíveis fósseis, enquanto que a Rússia pretende a anexação de novos territórios, para além da exploração não apenas dos combustíveis fósseis, como de outros minerais valiosos (como ouro ou grafite), assim como a exploração de novas rotas comerciais. O novo – mas não menos importante - player deste jogo tem também ele uma estratégia extremamente bem definida e não pretende desarmar da mesma. A China entra nesta disputa para conquistar os seus interesses e o presidente Xi Jinping já iniciou conversações com Putin para uma possível cooperação destas duas superpotências na conquista do Árctico, enfraquecendo o poder do Ocidente, sobretudo o seu eterno rival, os Estados Unidos da América. Este não é um assunto para tratar com leveza, pois pode ter sérias implicações para a segurança e para o comércio mundiais. Proponho que seja a ONU a tentar regular esta situação, para que os territórios em águas internacionais não sejam anexados por nenhum destes países e, sobretudo, para que não seja o planeta de todos nós a sofrer as consequências de mais uma exploração de recursos, aumentando ainda mais a poluição e a causa de todo o interesse no Árctico: o aquecimento global.
Esta é talvez uma das questões mais delicadas da geopolítica actual, já estudada por alguns académicos e no centro das prioridades de política externa dos intervenientes. Para que nada de mal aconteça, é necessário aprender com as lições que a História nos dá e tentar ao máximo resolver estes possíveis conflitos através do soft power e não recorrendo a manobras de hard power, que podem ter consequências bem mais nefastas para todos nós.


Fontes:

Imagem: Lisa Benson's Editorial Cartoons - Invasion Editorial Cartoons

DILLOW, Clay (2018), Russia and China vie to beat the US in the trillion-dollar race to control the Arctic,CNBC. Disponível em https://www.cnbc.com/2018/02/06/russia-and-china-battle-us-in-race-to-control-arctic.html. Consultado a 9/04/2019

ROSTON, Eric; MIGLIOZZI, Blacki (2017), How a Melting Arctic Changes Everything
Part II: The Political Arctic, Bloomerang. Disponível em: https://www.bloomberg.com/graphics/2017-arctic/the-political-arctic/. Consultado a 10/04/2019

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