Para quê eleições quando podemos ter golpes de estado?


Link:http://www.ejinsight.com/20140530-thailand-one-week-after-military-coup/


                Na Tailândia, no dia 22 de maio de 2014, tanques atravessaram as ruas enquanto os militares ocupavam as estações de televisão para anunciar o golpe de estado. E assim, sem derramar uma gota de sangue, o exército tomou, mais uma vez, o controlo do poder na Tailândia. Digo mais uma vez porque, desde 1932, a Tailândia sofre um golpe de estado numa média de 7 em 7 anos. Contudo, nas eleições seguintes, é frequente o regime militar perder o poder recém-conquistado. Avancemos para dia 21 de março de 2019, onde são realizadas as primeiras eleições desde o golpe de estado. O resultado das eleições é ainda inconclusivo, mas será que desta vez o regime militar vai agora conseguir manter a autoridade?

            É importante, antes de nos aventurarmos em tentativas de prever como será composto o governo, perceber alguns factos sobre a arquitetura do sistema e o resultado das eleições. O congresso tailandês está dividido em duas câmaras que nomeiam o primeiro ministro. O senado, inteiramente nomeado pela junta militar, é composto por 250 membros. A câmara baixa, eleita pela população, tem 500 membros. O governo deve ser aprovado pela maioria das duas câmaras. Na prática isto significa que um partido, que seja apoiado pela junta militar, pode formar governo com apenas 126 lugares.

            O fato é que o partido apoiado pela junta militar (Palang Pracharat) não conseguiu a eleição de 126 deputados. O resultado parece dar ao maior partido da oposição (Pheu Thai) o maior número de deputados com 137. Enquanto que o Palang Pracharat conquistou 97 assentos. Criou-se então uma situação em que nenhum dos partidos consegue formar governo por si só.  O Pheu Thai formou uma aliança de 6 partidos que, combinados, representam 255 membros da câmara baixa. Não sendo suficiente para formar governo, contando que dificilmente teriam apoio suficiente no senado, é suficiente para imobilizar qualquer governo uma vez que representam a maioria absoluta na câmara baixa.

Isto deixa o Palang Pracharat, numa situação complicada. Por um lado, pode formar governo (com uma coligação) mas a câmara baixa irá bloquear a sua governação. Por outro podem tentar quebrar a aliança da oposição roubando pelo menos 6 votos. Por fim, podem ainda deixar que o candidato de outro partido assuma o cargo de primeiro-ministro (ficando, no entanto, a dúvida se seria apenas um fantoche). Desse modo talvez a câmara baixa tivesse mais disponível a deixar governar.

Na verdade, todo o processo eleitoral e a luta política pode-se revelar fútil devido á poderosa influência da junta militar. O General Apirat Kongsompong, líder militar da Tailândia, não colocou de parte outro golpe de estado, apesar de considerar que agora as coisas estão bem no país. Isto é uma clara ameaça que, caso os outros partidos causem instabilidade, a junta militar volta a assumir o poder. Em 1971 aconteceu uma situação semelhante em que o próprio primeiro-ministro (o General Thanom Kittikachorn), liderou um golpe de estado que o colocou com ditador militar, por estar cansado do “caos parlamentar”. Do mesmo modo, mesmo que Prayuth, se mantenha no poder pode não querer ver o seu poder a ser agora limitado.

As eleições na Tailândia, não são apenas um problema interno, na verdade podem muito bem ser das eleições mais consequentes na Ásia. Isto vem do facto da Tailândia assumir a posição de liderança (“chair”), da ASEAN. A “chair” define a agenda da ASEAN, definindo assim prioridades económicas e de integração.

A instabilidade governativa traz vários problemas no exercício das funções de “chair”. Primeiro, apesar de se prever que nenhuma das possíveis fações governantes irão procurar uma política anti-ASEAN, não o podemos garantir.  Podem também, ter projetos diferentes, mesmo que tenham a mesma linha de pensamento pró-ASEAN. Em segundo, a atenção da Tailândia pode-se virar mais para problemas internos negligenciado os problemas da ASEAN, ou definindo uma agenda consoante as necessidades internas. Em terceiro, temos de questionar se a Tailândia conseguirá dar a liderança necessária. Esta é uma altura particularmente sensível para a ASEAN. A guerra comercial entre China e EUA pode prejudicar as exportações e prevê-se uma tentativa de transição para uma economia digital.

Em conclusão, as divisões internas na Tailândia, o historial de golpes de estado e o número de fações a competir pelo poder tornam a política interna da Tailândia difícil de prever, e a história diz-nos que uma política interna instável é uma política externa instável. Esta situação não podia chegar em pior altura, sendo que estão agora encarregues de liderar a ASEAN numa altura particularmente delicada. Isto indica que quem quer que assuma o poder na Tailândia terá uma influência que, provavelmente, em muito excederá a sua duração como governo. Recordemos ainda que outros países da ASEAN com regimes híbridos entre a democracia e a ditadura militar, como o Mianmar, podem ver aqui uma oportunidade de ganhar maior legitimidade. Sendo que não cabe a outro país (nem a qualquer organização internacional, na minha opinião) interferir nos assuntos internos da Tailândia, terá de ser a própria Tailândia quem deve resolver as suas questões internas. Resta-nos então esperar para ver como será a liderança tailandesa de uma das áreas em maior crescimento no mundo.

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