A Federação da África Oriental, um exemplo para a União Europeia?


A Federação da África Oriental, um exemplo para a União Europeia?




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A sul do corno de África encontramos a Comunidade da África Oriental. Criada em 1999 integra hoje 6 países, Uganda, Quénia, Sudão do Sul, Ruanda, Burundi e Tanzânia. Esta comunidade incluí uma união aduaneira, um mercado único (que consagra movimento livre de pessoas, bens e capital) e está em processo de união monetária, que deverá estar completa em 2023. Contudo, o objetivo final é uma integração federal destes estados.

O projeto da Federação da África Oriental tem por inspiração, como podemos facilmente adivinhar, a União Europeia. Não procuram, no entanto, copiar o modelo europeu. Na verdade, vendo, por exemplo, o êxito do mercado único, veem falhas na união monetária sem união política. Consideram que desta forma os países europeus ficaram demasiado expostos às leis do mercado, e que, mesmo que os grandes países tenham beneficiado, os países economicamente mais fracos perderam com esta união.

A Federação da África Oriental, se realmente se tornasse uma federação, englobaria 168 milhões de pessoas (seria o segundo país mais populoso em África), teria a área de 2,5 milhões de quilómetros quadrados (a maior em África). Contudo seria na mesma um país pobre, especialmente quando consideramos o PIB per capita. Seria também um país com uma idade média muito baixa. Mas, combinando os recursos de cada país, o potencial da federação, tanto económico como no peso que teria na política externa, cresceria imenso. Recordemos as significativas reservas de petróleo do Sudão do Sul, que, devido à falta de infraestruturas e sobretudo devido à instabilidade interna, não tem sido capaz de aproveitar inteiramente. Com a combinação de recursos seria mais fácil estabelecer as infraestruturas e controlar os problemas de segurança. Num país unido haveria também acesso direto ao mar, especialmente pelo porto de Mombasa no Quénia.

Temos de reconhecer, no entanto, que este projeto não tem sucesso garantido. Primeiro, projetos com ambições federais são sempre, por natureza complicados. Para um exemplo é difícil de olhar para lá da União Europeia. Sendo que não tem hoje, explicitamente, ambições federais (que se encontravam presentes na Declaração Schumann), é verdade que a integração corre lentamente, a certas alturas quase imóvel, e frequentemente com grande desconfiança por parte dos Estados Membros. Ora se isto acontece numa zona estável com a Europa, não será ceticismo em demasia considerar essa possibilidade para a África Oriental. Outra questão é a interferência externa. Este problema tem sido um frequente entrave ao desenvolvimento africano. No passado, uma versão anterior da Comunidade da África Oriental fracassou, pelo menos parcialmente, devido há interferência do Reino Unido no Quénia e dos Estados Unidos na Tanzânia. Estes estados, de modo a promover os seus interesses, semearam desacatos entre estes dois países e condenaram a Comunidade ao fracasso.

Outro fator que pode prejudicar a unidade de uma futura Federação é a diversidade étnica e religiosa. Este grau de diversidade, especialmente num país recém-formado, que não possui uma identidade nacional forte que una os seus cidadãos, pode levar a graves divergências internas. Os próprios países que pretendem formar esta federação são exemplo disso. A terrível guerra civil do Ruanda foi impulsionada por conflitos étnicos. O Sudão do Sul (também ele afligido por recentes conflitos internos), tornou-se em independente em 2011, a busca pela independência foi fortemente influenciada por conflitos religiosos entre o sul maioritariamente cristão e o norte maioritariamente muçulmano. Outro exemplo, num país com mais anos, mas que mesmo assim tem tido dificuldade em criar uma identidade comum a todos os grupos étnicos é a Malásia. Neste estado asiático, apesar de ser independente desde 1957, a política continua muito ligada a interesses étnicos e os partidos vem-se como defensores dos interesses étnicos.

Não se ache, contudo, que a Comunidade da África Oriental não está consciente destes desafios. Estão também conscientes da questão que muita vez atormenta África. A divisão dos estados, feitas pelos europeus, são artificiais e agrupam povos diferentes. A solução aqui, como aponta Mahmood Mamdani, pode passar, por um lado, por direitos com base na residência e não da origem tribal. Por outro, é importante que a identidade tribal, em muito fomentada pela experiência colonial europeia, deve ser ultrapassada por uma identidade nacional, mais uma vez, na ótica de Mahmood Mamdani. Estes desafios, porém, não afetam apenas a potencial Federação como vários países em África, inclusive os países dentro da Comunidade. Então podemos talvez concluir que não seriam um maior entrave à manutenção da Federação da África Oriental do que seriam à manutenção de outros estados em África.

Resumindo, a Comunidade da África Oriental, apesar de em muitos aspetos tomar inspiração da União Europeia, parece perceber algumas falhas no projeto europeu que não procuram manter. A falta de identidade nacional entre os países da África Oriental, assim como a “juventude” de alguns estados pode-se até apresentar como uma vantagem sobre a União Europeia, facilitando a união destes países. Só o tempo, ou alguém mais conhecedor que eu, podem dizer se é possível a transação de comunidade para uma federação. Contudo, como vimos no caso da espantosa evolução do Ruanda (remeto aqui para outro artigo neste blog), há muito potencial a ser explorado nestes países e talvez, juntando os seus recursos, será mais fácil de atingir esse potencial, apesar de não nos podermos esquecer das dificuldades, até logísticas que a federação iria trazer.



Rafael Pequito de Almeida, Aluno 3º Ano Ciência Política

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