Uma Coreia prevenida vale por duas

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Estará a Coreia do Norte a precaver-se de uma decidida incursão ao núcleo do seu poder ao invés de nos poupar a todos de uma conflagração intolerável e horrorosa? A chamada “lógica da dissuasão” assim como e especialmente as armas de destruição em massa, mantêm-se à disposição de uma utilização inesperada, sendo que a sua proscrição e proibição nada podem, sem a determinada escolha de renunciar a elas completamente. Será a declaração de Panmunjom uma negociação confiável? Constituirá, este compromisso, a única técnica ou instrumento pacífico de execução da política externa norte-coreana?  Ou será que por detrás dele prevalecem outros instrumentos que podemos caracterizar e tipificar segundo o respetivo carácter - como violentos? A postura tem sido a de que "uma Coreia prevenida vale por duas". No entanto, para a comunidade internacional "mais vale uma Coreia na mão que duas a voar". Ou o resto do mundo...

Quando há precisamente um ano, após uma cúpula histórica entre as duas Coreias, os líderes destes dois países vizinhos assinaram a declaração de Panmunjom,  Moon Jae-in (presidente da Coreia do Sul) e Kim Jong-un (líder da Coreia do Norte), comprometeram-se também a assinar um acordo de paz para acabar oficialmente com a guerra entre estes dois países.

Um acordo de paz que, detidamente construído e amplamente ambicionado pela comunidade internacional, não obstante as influências e autoridades de poder político envolvidas, insistirem num tratamento muitíssimo cuidado e achando-se cada vez mais intrometidas designadamente no evitamento da manutenção de potências nucleares, o que sugere na prática é o que está contido na célebre Paz Perpétua de 1795 em que Kant propõe que “nenhum tratado de paz pode como tal valer se for já feito com a secreta reserva do material para uma futura guerra”.

Ainda que a Declaração de Panmunjom para a Paz, a Prosperidade e a Unificação da Península Coreana afirmasse que começou “uma nova era de paz”, constata-se, no entanto, que o epílogo da Reunião de Cúpula Intercoreanana em 27 de abril de 2018, na “Casa da Paz”, no povoado fronteiriço de Panmunjom permanece ainda em aberto. Primeiro, porque embora todas as atividades hostis entre os dois países tenham findado, nenhum tratado de paz foi ainda assinado e depois, porque apesar da nova época sem guerra anunciada por ambos e tendo os líderes das duas Coreias concordado em trabalhar pela completa desnuclearização da península, ao que parece o instrumento pacífico mais significativo e favorável a esse propósito, continua a ser a mesma Declaração de Paz de Panmunjom, o pacto que veio substituir o armistício de 1953, e que interrompeu a guerra por cessar-fogo, mas nunca lhe pôs fim oficial.

Uma vez que as motivações adjacentes à atual política externa da Coreia do Norte se encontram paralisadas neste quadro histórico e político em que esta importantíssima operação se insere, as motivações mais substanciais encontram-se primeiramente na leitura que se foi construindo a respeito dessa Declaração de Paz e que evidenciam a postura preventiva que fora adotada desde então. Noutras palavras, é a narrativa norte-coreana, extremamente indefinida e eventualmente duvidosa, contrária àquela que se tentou manifestar nesta resolução sobre o promissor objetivo de desnuclearização completa, ponderada e previdente do território que compreende as duas Coreias e, portanto, adversa da inserção desse mesmo espaço na normalidade pacífica do mundo ocidental.

Verdade seja dita, pese embora o acordo em questão se trate de uma iniciativa de diplomacia preventiva, de facto apreciável enquanto primeiro instrumento de política externa de resolução de conflitos, tanto a nível bilateral (foi assinado com a outra Coreia), mas também multilateral porque este assunto envolve múltiplos actores como por exemplo os EUA, a China, a Rússia ou o Japão, a sua execução prática e a sua implementação efetiva carecem de realizações concretas até hoje, o que demonstra neste caso que a paz internacional não começa nas mesas das negociações, antes começa sempre no âmago dos desígnios políticos de alguns Estados. E isto se considerarmos a paz não apenas como a ausência de guerra ou o equilíbrio estável entre potências inimigas, mas enquanto a garantia do estabelecimento de uma ordem justa onde seja possível compreender o valor da vida, de toda humanidade e da concórdia entre todos os povos e que procure sinceramente direcionar-se para o bem-estar e segurança de cada pessoa, oferecendo-lhe abnegadamente o apreço que lhe é devido. Ao mesmo tempo, a paz só se torna possível se essa ordem se fundar no respeito pelos direitos de todos os homens e desta forma se procurar proteger e defender a dignidade de cada pessoa.

A aniquilação indiferenciada de cidades, países e populações, possível através de armas biológicas, químicas ou nucleares de destruição em massa, é um crime gravíssimo contra a natureza e contra a humanidade.

A narrativa adotada pela Coreia do Norte emerge politicamente quando para a comunidade internacional se torna óbvio que a postura mais do que preventiva, continua a ser extremamente violenta, se considerarmos as armas nucleares como a maior ameaça dos nossos dias. Isto porque “a experiência tem mostrado que as guerras já não têm fronteiras; todas as guerras modernas acabam por ser guerras mundiais. E pelo menos nenhuma das grandes nações se pode manter fora. Mas se não podemos ficar fora da guerra, resta-nos a esperança de a evitar”. - Robert H. Jackson (1892-1954), representante do acusador principal em 1945/46 no processo de Nurenberga.


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