Rússia e os Talibãs: a procura do lugar no topo da mesa





Quando se analisa o Afeganistão, percebe-se que se trata de um núcleo corrompido por forças externas. Uma dessas forças é a Rússia que tem mantido o país na sua lista de prioridades de política externa, mas nem sempre pelos mesmos motivos. Podemos recuar até ao século XIX quando o Afeganistão quase “colocou” o império britânico e a Rússia em guerra e pode-se mencionar o facto de alguns analistas considerarem que foi o Afeganistão quem corrompeu a União Soviética, levando ao seu fim. O que realmente interessa é que os dois países nunca conseguiram sair das agendas um do outro e o que a Rússia tem tentado fazer é tranquilizar as suas relações com o país assim como com os talibãs que já dominam maior parte do território.

Em novembro de 2018, a Rússia organizou uma conferência diplomática em Moscovo onde a delegação de talibãs esteve presente assim como membros do Alto Conselho de Paz do governo afegão. Para além deles, o Paquistão, Irão, China e EUA também estavam representados, sendo que o último era apenas um observador.
               
O que é que isto significa em termos de política externa russa? E qual é o seu principal objetivo?
               
Existem duas entidades que podem ajudar na resposta a estas perguntas: NATO e EUA. Em concordância com as ações tomadas em termos de política externa para solidificar as relações com o Afeganistão, a Rússia tem andado a pulverizar a sua posição em relação a estas duas entidades. Em 2017, Zamir Kabulov, enviado presidencial russo ao Afeganistão chegou a mencionar a vontade das talibãs de retirarem todas as tropas estrangeiras do território e afirmou que considerava o desejo justificável e que a presença das forças militares da NATO e dos EUA era muito longa e facilmente criticável. Tendo isto em conta, o que realmente parece estar a acontecer é que a Rússia sabe que para conseguir ter presença e poder no Afeganistão precisa de desmontar o seu grande objetivo de ter um papel eminente no Afeganistão em pequenas fases. Assim, tem apostado nas relações com os partidos e com os estados vizinhos, de modo a alargar a sua teia de influência enquanto afasta as outras potências das conversações.

O problema no Afeganistão não será resolvido através de medidas diretas de países externos, mas sim através do governo afegão, os talibãs e a população em geral e o que a Rússia está a tentar fazer é ter influência nesses campos de modo a colocar o seu input nas conversações e, consequentemente, nas decisões. A Rússia quer o lugar no topo da mesa.

Temos ainda que voltar a mencionar os EUA por serem outro ator que tem tido a sua quota de influência no Afeganistão. A sua política externa tem deixado muitas incertezas e parece basear-se em acordos não oficializados que ganham a sua “legitimidade” por confiança no outro. No caso do Afeganistão, os EUA afirmaram que querem retirar parte das tropas do país o que levará a um acordo com os talibãs e consequentemente com o governo do Afeganistão. Os talibãs afirmam que não concordam com o cessar-fogo até todas as tropas americanas saírem do território, mas os americanos querem um desmantelamento mais calmo. É importante mencionar que nas reuniões em Moscovo os talibãs se recusaram a negociar com o governo Afeganistão ou mesmo com os EUA, sendo que a UE também está fora da equação. Enquanto negam estes atores, negoceiam com a Rússia que tem organizado reuniões com os talibãs e membros do governo afegão que são contra o presidente,  Ashraf Ghani.
               
Esta ação pode ser vista de duas formas: por um lado podemos pensar que Putin está a fazer o contrário do que seria melhor para resolver o conflito, ou seja, em vez de juntar forças que são contra a administração deveria reunir os talibãs e o próprio governo; mas também pode ser visto como um mediador, no sentido em que traz para a mesma mesa, forças que conseguem comunicar entre elas e assim percebe um dos lados da moeda (talibãs e oposição) para depois tentar influenciar o outro (governo).

Concluímos que, neste momento, é a Rússia quem tem mais influência no território e mesmo que os seus objetivos pareçam incertos, a verdade é que esta está a expressar o seu poder através de mecanismos de softpower que dão a possibilidade de trabalhar no poder potencial que tem na área. É aqui que se encontra uma das maiores janelas de oportunidades para a Rússia, que vê a sua ponte mais estável e a dos EUA a ser construída.

Enquanto isto temos um país separado e uma população em medo constante e sem liberdade. É interessante perceber o poder que grandes potências detêm, mas também é importante ver os custos. As políticas externas, sempre baseadas no desejo de poder e influência, muitas vezes deixam de parte uma variável importantíssima da equação, a população. Putin está a dar uma voz legítima aos talibãs, oferecendo a imagem de uma força reconhecida, algo que eles nunca tiveram. Mas, ao mesmo tempo, existe uma população que permanece sem voz e sem força para se expressar.

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