Numa democracia na qual se impõe uma ideologia de estado oficial, a Pancasila, as duas velhas grandes correntes ideológicas protagonizadas pelos dois grandes fantasmas da ditadura Indonesia do velho século, a velha ordem de Soekarno e a nova ordem de Soeharto, reinventam-se no novo século democrático, adaptando-se a uma nova realidade, naquele que é o maior país de maioria muçulmana no Mundo, fantasmas que re-entram em palco na ópera onde contracena a moderação de Joko Widodo contra o tradicionalismo de Prabowo Subianto.
Em 1949, o povo das antigas Índias Indonésias, também conhecidas pelo denomino neerlandês de Batavia (denominação antiga de Djakarta), após um tumultuoso período de conflito entre as autoridades neerlandesas, e o partido nacionalista Indonésio liderado pelo supra-mencionado Ackmed Soekarno, que postulava o mantra: “Uma nação, a Indonésia, um povo, o Indonésio, uma língua, o Bahasa” - que aquando da rotura em ‘49 com a antiga metrópole Europeia, guiou as linhas de ação do regime encabeçado, dito de ‘democracia dirigida’ de Soekarno.
A velha ordem de Soekarno, denominação subsequente da ordem que vigorou de 1949 a 1967, aderindo ao Marhaenismo, uma ideologia que enfatiza a unidade e cultura nacional e a economia coletivista em oposição ao liberalismo e o individualismo, e de igual modo, em oposição ao capitalismo e imperialismo. O governo que encabeçou políticas de deriva mais marxista, sendo que tomou uma opção de acoplar o partido comunista Indonésio à revelia de elementos mais islâmitas da socieadade e até elementos poderosos das Forças Armadas. Sobre égide dos três pilares da política Nasakom (união entre nacionalismo, religião e comunismo), Soekarno põe termo à democracia parlamentar em 1957, após um forte período de acrimónia, e erege o regime de democracia guiada já mencionada, procurando implementar a Manipol-Usdek e Resopim-Nasakom -ideias arcanas cosmeticamente democráticas, perpetrando ditadura. O resultado prático foi a rápido inflação do custo de vida, no período homólogo entre 1958 e 1965 em 6000%, sendo que o estado passa a subsistir em apoios da URRS na ordem dos biliões de dólares, à revelia da boa vontade demonstrada pelos EUA.
Tendo sido deposto o regime de Soekarno pela Nova Ordem, orquestrado pelo seu general Soeharto, a Indonésia envereda por um período de grande desenvolvimento. Tendo sido um regime agora vincadamente anti-comunista e económicamente aberto, sendo que contou com a ajuda de técnicos americanos para arquitectar um novo regime económico para revigorar as fortunas Indonésias. Com grande apoio financeiro Americano, o mercado interno e sector industrial foram massivamente expandidos, e as subsequentes lucros na balança comercial foram com sucesso aplicados à infraestrutura. Não obstante, fustigado pelo mesmo mal do autoritarismo que afligia o regime da antiga ordem, que, cuja contestação junto da aflição causada pela Crise Asiática de 1997, levaram a baixo o regime Suharto.
O período interino de presidência de Habibie, e mais tarde as presidências democráticas da filha de Soekarno, Megawati, e o presidente Yudhoyono, viram entre outros, a independência de Timor Leste, a rápida expansão económica do país e a sua integração na agenda internacional.
Chegados a 2014, a Indonésia experiência de novo a clivagem do golpe de 1967: o confronto entre uma velha ordem reformada e moderada de Joko Widodo, antigo prefeito de Djakarta, é uma nova ordem mais radical e assente no islão ortodoxo do General Prabowo Subianto.
Widodo, conhecido afectivamente por Jokowi, vence então, e embarca num forte programa de fomento económico, assente na renovação da infraestrutura nacional, sendo que corta com os despesismos e subsídios da era Yudhoyono, e analisa para a obra pública. Apesar dos sucessos na frente económica, na ordem social, Jokowi vê-se confrontado pelo crescente descontentamento islâmico perante o que é entendido ser um governo fortemente laico de Jokowi. Um ponto marcante desta acrimónia ao governo põe-se quando o sucessor no governo metropolitano de Djakarta e aliado de Jokowi, Ahok, menciona que a ‘igreja não faz nem deve fazer parte do governo’ se gerou um forte movimento contestatário.
Apesar do sucesso do governo Jokowi, cujo partido é chefiado pela mencionada filha de Soekarno, Megawati Soekarnoputri - em 2019, do lado da sua oposição, pelo partido Gerindra (originário do partido Golkar de Soeharto), mantém-se Subianto, cuja mulher é filha de Soeharto, e cujas posições se alinham mais com o lado islâmita da nova ordem de Soeharto, ao passo que Jokowi apresenta-se como uma frente da velha ordem, mais mitigada e com enfoque no desenvolvimentismo e no combate à corrupção.
Naquela que será primeira eleição simultaneamente parlamentar e presidencial, este próximo dia 17, um momento momentoso não só pelo grande desafio logístico, não só por ser um ‘encore’ das óperas de 1967 e 2014, mas por ser uma decisão quanto à natureza do futuro da identidade Indonésia.
Em primeiro lugar, esta eleição demonstra a maturidade da democracia Indonésia, sendo que consegue articular o confronto de duas ideologias não democráticas, agora reformadas, e presentes num palco democrático com novas velhas caras - assim demonstrando que o país respeita o seu passado, consegue articula-lo no presente, mas evolui consoante as aprendizagens moldadas nos erros do passado. Esta é uma questão fundamental onde a Indonésia tira nota positiva, mas onde vizinhos na região, e vários países de condição semelhante necessitam de retirar inspiração à Indonésia, como por exemplo na Malásia, onde a transição da velha ordem do Barisan Nasional de Marathir Mohammed para a
nova ordem do Pakatan de Anwar Ibrahim, ou na Singapura, onde se procura no seio do Partido Ação Popular do pai fundador da nação, sangue novo e novo cunho, ou até em Timor Leste, onde se procura reconciliar as duas grandes forças políticas, o AMP e a FRETILIN, cujos desentendimentos tem causado impasses impertinentes nos últimos anos. Na Indonésia, convivem com serenidade forças (a velha e a nova ordem), ideias, e aspectos culturais (o ex libris da Pancasila), da era ditatorial, agora reinventadas e adaptadas à democracia, para a nova era. Será que estes vizinhos conseguiram tomar o audaz passo que tomou a Indonésia de procurar fazer equilíbrio entre passado e presente enquanto arrepiar caminho para o futuro?
Por outro lado, especialmente com a agravante de se tratar do maior país de maioria muçulmana, numa altura onde homólogos desta comunidade, como o Brunei, onde este mês passou a vigorar no regime jurídico penalidades torpes do cânon da sharia, ou na Turquia, onde o caminho da sua liderança abandonou o anterior foco no desenvolvimentismo, passando agora a procurar aclamação pelas massas através da exaltação de aspectos menos correctos do cânon muçulmano, denominado por de Milli Gorus - o voto de dia 17 terá um impacto positivo em desencorajar estes desenvolvimentos e futuras ramificações.
Será que a escolha entre Jokowi, e um prometido caminho para a forte separação entre estado e igreja, e Prabowo, e um prometido recrudescimento de aspectos mais radicais da fé muçulmana na prática governativo - se pode considerar de um referendo à futura conduta a desejar em países de maioria muçulmana, entre igreja e estado?
Dia 17, na Indonésia, 192 milhões de eleitores encontram-se elegíveis a sufragar 245 mil candidatos a todos os cargos da nação. Fantasmas do passado, grandes projectos do presente e incerteza quanto ao futuro estarão na mente do eleitor ao se dirigir à mesa de voto. Será que optará por voltar ao passado com Prabowo, ou fazer do passado futuro com Jokowi?
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