O Sudão entrou em 2019 em protestos. Desde a divisão do país em 2011 que levou a criação de um novo estado, o Sudão do Sul, que a economia, deste primeiro, tem vindo a deteriorar-se. 80% do petróleo do Sudão situava-se na zona sul e com o nascimento desta nova nação, a economia entrou em colapso: os preços de bens de primeira necessidade, como o pão, subiram bruscamente, a moeda desvalorizou, as taxas de inflação aumentaram, severas medidas de austeridade que acabaram com os subsídios estatais sobre o trigo e combustíveis foram implementadas, foram introduzidos limites no levantamento de dinheiro, entre outras medidas. A situação económica do país espelhou-se no cenário politico do mesmo, cuja população contesta e condena a atuação do governo de Omar Al-Bashir, acusado de crimes de guerra, violação de direitos humanos e abuso de poder. No entanto, o mesmo foi deposto pelo governo de transição militar que atualmente lidera o país.
No segundo mês do ano a Argélia seguiu o exemplo do anterior e saiu à rua em protesto contra o regime de Abdelaziz Bouteflika após o anuncio da sua candidatura ao seu 5º mandato presidencial.É de destacar que o estado de saúde de Bouteflika agravou-se desde 2013 quando foi vítima de um AVC e desde então fez muito poucas aparições ou comentários em público ou por escrito. Apelando a uma democracia justa e anticorrupção, Bouteflika foi afastado do poder a 2 de Abril de 2019, dias antes de Al-Bashir ter sido deposto.
Tanto os argelinos como os sudaneses procuram o mesmo que os egípcios ou líbios ambicionaram em 2011: a instauração de um regime democrático justo e transparente. A realidade é que, de duas mãos cheias de países norte-africanos e do médio oriente que passaram pela primavera árabe, nos quais líderes foram depostos, constituições reescritas, vidas perdidas, pessoas presas, 3 eclodiram em guerra (Iémen, Líbia e Síria), em Marrocos e na Jordânia, as monarquias continuaram e pequenas mudanças foram feitas às respetivas constituições; no Egito o governo de Mubarak caiu mas reina agora a “democracia de El Sisi”, talvez tenha saído mais vitoriosa a Tunísia com a ascensão do “Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia”que procura o estabelecimento de uma democracia pluralista no país com algum sucesso. No Líbano, a Arábia Saudita, Kuwait, Omã, Bahrain e Palestina, as vozes fizeram barulho mas não foram ouvidas, no máximo foram caladas.
À semelhança destes países, o Sudão e a Argélia também saíram a rua em 2011 mas foram silenciados, porém hoje tal como alguns dos anteriores, as suas populações fizeram cair governos e personalidades como Al-Bashir e Bouteflika, contestaram a corrupção e a má gestão dos seus países e também sofrem as mesmas consequências dos anteriores: mais de 800 manifestantes foram presos no Sudão e 195 na Argélia, mais de 60 mortas em ambos países e a instabilidade política, social e económica continua. Entre tantas semelhanças, o que realmente difere o Sudão e a Argélia dos restantes?
Esta denominada segunda primavera árabe torna-se diferente da primeira, na medida em que, por exemplo no Sudão os protestos foram primeiramente organizados e realizados pela Associação de Sudaneses Profissionais, ou seja, uma rede independente de profissionais de várias áreas: ensino, medicina, direito, entre outras, com conhecimento e meios que tornaram possível a deposição do governo de Al-Bashir. Estas manifestações prezam-se pela boa organização, pelo carácter não violento e pela inclusão: protestos realizados por mulheres e tanto pelas camadas mais altas como pelas mais baixas da sociedade. Por outro lado, o Sudão tal como a Argélia tiveram em conta as atuações das Forças Armadas durante a primeira primavera árabe, e não têm cedido aos às promessas das mesmas, afirmando que o seu papel é mediador e estabilizador e não de liderança, tornando-as sua aliada. Neste sentido, contrariamente aos seus vizinhos, estes dois países rejeitaram qualquer tipo de intervenção estrangeira e/ou internacional no seu território de modo a evitar o que aconteceu na Líbia, Síria e Iémen.
Podendo-se considerar tanto uma segunda primavera árabe ou apenas movimentos pró-democráticos argelinos e sudaneses, a realidade é que por mais lições que estes dois estados tenham retirado da primeira primavera árabe e apesar de todo um esforço coletivo para alcançar um modo de vida decente dentro de um país democrático e transparente, tanto o Sudão e Argélia podem sucumbir numa revolução temporária e numa mudança superficial: o fim de algum tempo podem voltar ao cenário que os levou aos protestos só que com líderes e governos diferentes.
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