"A luta contra a mentira não pode ser chamada de autoritarismo"
As fakes news
não são recém-nascidas. A tentativa de alterar a perceção dos recetores de
informação existe há muito e a sua relação com a linguagem e os seus meios de
difusão é intrínseca. Os novos meios de comunicação vieram maximizar este
fenómeno.
O excesso de (des)informação que circula nas redes
sociais permite aos seus utilizadores selecionar as peças que desejam de
acordo, tendencialmente, com a sua própria opinião. Uma das grandes ferramentas
que permite a criação de uma bolha própria de informação unilateral, é o
Facebook. O poder de amplificação da mensagem do Facebook e o megafónico Donald
Trump uniram-se para demonstrar o poder das fake
news, neste caso, em relação à vacinação. Trump veio acordar o movimento
anti vacinação quando, ao longo da sua campanha, se demonstrou cético em
relação às doses de vacinas recomendadas pelos profissionais.
O Presidente afirma que não é contra a vacinação, mas recomenda-as
em doses menores pois as “pequenas crianças não são cavalos”. No entanto, na sua conta de Twitter vai mais longe e
chegou a afirmar, em 2012, que existem ligações claras entre o aumento do
número de crianças autistas e a sua vacinação; algo a que chama “autismo medicamente induzido” .
Este tweet de Trump leva-nos às origens do movimento
anti vacinação. O movimento surge após um estudo
publicado por Andrew Wakefield, em
1998, na revista The Lancet, e
estabelece uma relação entre a vacina VASPR e o autismo; esta é uma vacina contra
o sarampo, a papeira e a rubéola. O estudo, como claramente expresso no artigo
original, baseou-se na ínfima
amostra de 12 crianças das quais apenas nove realmente demonstraram sinais de
autismo.
O artigo foi desmentido inúmeras vezes, Wakefield foi processado por “interpretação científica
falaciosa” e por não ter respeitado os “requerimentos éticos” para desempenhar os testes nas crianças que compunham
a sua amostra e provou-se que o autor foi ainda acusado de ter sido financiado por advogados encarregues de defender casos
de pais anti vacinação.
Todavia, um grupo considerável de cidadãos norte-americanos
descartaram ou desconhecem esta informação e o movimento tem crescido de forma exponencial
graças às novas formas de difusão de informação. Esta é uma força, de acordo
com o grupo de profissionais da saúde Human, Vaccines
and Immunotherapeutics, subvalorizada,
sendo que, os seus impactos ultrapassam os ecrãs dos dispositivos móveis.
Nos EUA, nos últimos 17 anos, a percentagem de crianças não vacinadas com menos de
dois anos quadruplicou. Estes dados
apresentados em 2018, no The Washington Post, relembram que em 2015, 1.3% das crianças não
receberam qualquer tipo de vacinação. Com base neste valor, assumindo que a
percentagem de crianças não vacinadas se manteve no ano seguinte, concluiu-se que
em 2018 existiam 100.000 crianças com menos de dois anos sem qualquer vacina.
Um dos grupos anti vacinação mais populares, e que bem
resume todo o movimento, é o A Voice for
Choice. Esta “voz pela escolha” é uma organização
sem fins lucrativos que se dedica a
garantir que os indivíduos sejam “completamente
informados relativamente à composição, qualidade, efeitos a curto e longo prazo
da comida que ingerem e dos produtos farmacêuticos que adquirem” incluindo as vacinas. O ataque específico a estas
últimas encontra-se explícito na macabra e subversiva secção do website “farmacêuticos e vacinas”.
Esta secção encontra-se repleta de informação previamente negada por profissionais e académicos
da saúde; o grupo estabelecem
relações de causa-efeito entre a vacinação e a possibilidade de desenvolver
cancro, autismo, enfraquecimento do sistema imunitário, convulsões e até meras
alergias a amendoim.
Num momento em que as fake news estão na ordem do dia, é tempo de relembrar a capacidade
que a desinformação tem de se propagar pelos novos meios de comunicação, mas
também da resposta que as entidades reguladoras são capazes de oferecer.
Em
Fevereiro de 2019, a Comissão
Europeia exigiu aos gigantes da internet, entre estes o
Facebook, que tomassem ação em relação à seleção personalizada de anúncios para
cada utilizador. Na prática, neste contexto, significa para o Facebook uma nova
política de controlo
de anúncios que contenham desinformação relativa a vacinas.
Estas
medidas resultaram de um esforço conjunto por parte de atores contra informação
falaciosa. O jornal The Guardian
havia alertado para o problemático algoritmo do Facebook que
fazia com que as 12 páginas e oito dos 12 grupos anti vacinação mais populares
fossem encontrados sempre que qualquer utilizador escrevesse palavras como
“vacinas” na barra de pesquisa. Ou seja, a informação relativa a vacinas no
Facebook era, por tendência, anti vacina. O jornal revelou ainda que a rede
social permite que os patrocinadores apresentem conteúdo anti vacinação a mais
de 900.000 utilizadores interessados em “controvérsia relativa a vacinação” e
adapta anúncios com este conteúdo a certos utilizadores com
base no seu perfil e posteriores e tendenciais pesquisas.
Pessoalmente, embora algumas das propostas da União
tenham apresentado nuances de censura de conteúdos, neste caso, não nos
encontramos perante o polémico Artigo 13; estamos perante uma situação de saúde
individual e pública. Neste caso, a luta contra a mentira não pode ser chamada
de autoritarismo, liberdade de expressão não é emissão de “opiniões” sem
fundamento, cujas consequências possam ser potencialmente fatais.

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