O paradoxo Africano do Rwanda: de estado falhado a campeão da maratona.

Rwanda, país oprimido de longa data pela colonização Belga, em particular o episódio do rei Leopoldo, saindo para uma experiência de Independência sangrenta, com o eclodir do genocídio, brinda o século XXI com um particular espantoso virar de fortunas.

   O Rwanda, no quarto de século que perfaz as hostilidades horrorosas do genocídio perpetrado pela maioria Hutu contra a minoria Tutsi, um terror causado pelo acumular de tensões do enquadramento administrativo deixado pela colonização Belga onde se privilegiava Tutsis à revelia de Hutus, despoletado pelo assassinato do presidente Hutu Juvenal.

   Resultado, mais de um milhão de mortos num país de uma população de menos de 5 milhões, pior genocídio do século desde a Arménia no crepúsculo do mesmo século. Esta dinâmica de destruição, do cumprir do triumvirato (peste, fome e guerra), que muito assolou nesta década de 90, meramente espelhou a vizinhança do Rwanda: o Angola e Moçambique com o lastro de guerra civil após uma descolonização atribulada, o Zaire mergulhado numa guerra com quase toda a sua vizinhança, naquilo que se apelidou de “guerra mundial africana”. Neste quadro de destruição apoteótica surge a Presidência de Paul Kagame no início do século XXI no Rwanda.

   Paul Kagame, tutsi, e antigo general de 5 estrelas, figura de proa no atenuar de tensões no fim das hostilidades do genocídio (em especial, olhando para o episódios da estabilização política do RDC e Burundi, como parte também no ‘Hotel Rwanda’) como também brilhante estratega durante o seu comando, assume-se como presidente do Rwanda em 2000, sensivelmente concomitante com o início de de mandato do seu homólogo no vizinho RDC, antigo Zaire, Joseph Kabila. (1)

   No cumprir da velha máxima de Nelson Mandela, onde “democracia sem progresso é igual a uma concha vazia”, Kagame procede durante o seu mandato a um foco no fomento do país em todos os sectores: desde a segurança alimentar e infra-estrutura (como o novo centro de convenções e estradas novas (4) ), passando pela qualidade de cuidados de saúde, até à educação a formação profissional de quadros vitais à administração publica.

   Aqui, Kagame joga desafiando o balanço estabelecido por Benjamin Franklin nos Estados Unidos, onde “quem troca um pouco de liberdade por segurança, não merece nenhum” Kagame demonstra que há verdadeiramente uma terceira via internacional, para países de terceiro mundo, onde nem o modelo capitalista ocidental, nem o comunista oriental foi possivel de se implementar (basta olhar para os vizinhos Congo Brazzaville e Angola), Kagame giza caminho, optando por coarctar liberdades, como a de imprensa, de assembleia, assumindo um estilo de liderança dirigista, não obstante marcadamente diferente do dirigismo corrupto de Kabila no Zaire, mostra que de facto há um caminho para os países de terceiro mundo, de forma suis generis, sair da estagnação.

   Kabila assume um papel forte do estado na promoção económica do país, como motor de fomento, ao mesmo que simultaneamente estabelece um código sólido de seriedade de punição da prevaricação - sendo a corrupção ao estilo Zaire, de suborno enquanto caminho para a administração um meio a rechaçar. Neste trabalho, Kagame estabelece um paralelismo com a Singapura de Lee Kwan Yew, estado praticamente assente na economia de pesca artesanal em meados do século XX, passando a um estado de primeiro mundo, com taxas de HDI elevadíssimas, e PIB per capita (poder de compra USD) a níveis do cesto de bens em caminho para o europeu, e um porto de águas profundas mais movimentado do mundo.
  
   Para o Rwanda, Kagame segue o modelo para terceiro mundo de Lee Kwan Yew, que para além do já mencionado dirigismo estatal para o foco no fomento que simultaneamente coarcta certas liberdades, Kagame importa o modelo meritocratico de Lee, deixando o modelo de ascensão de carreira administrativa associada a posição de comando na tribo, e idade, na lógica geritocratica, para uma ideia de promoção mediante a qualidade do trabalho em comunidade e sobriedade de carácter.

   Esta mudança radical de cultura prova que o modelo de desenvolvimento da Singapura, como em parte os demais ‘tigres asiáticos’ (Taiwan, Coreia e HK), países pobres de terceiro mundo, citados potências não se isola somente ao sudoeste asiático, mas é possível de exportação à África, o último grande colosso no mundo à espera da luz do dia do progresso.

   Porque é que isto é verdade no Rwanda? Porque no período 2000-2019 se nota uma tendência de queda precipitada de mortalidade infantil, tanto em nados mortos (melhoria de cuidados de saúde), como em termos de vida jovem (avanços na segurança alimentar) porque se nota uma acentuada queda da taxa de homicídios per capita (avanços no sector da educação), porque crescimento do PIB (taxa real de crescimento a 7.58 % (5) ) e comércio se encontram de vento em popa (infra-estrutura) e porque a saúde da administração pública se encontra recomendável (meritocracia e formação de quadros).

   Também é de notar a veracidade do sucesso pela baixa mortalidade por homicídio de 2.3 por 100.000 (2), comparado como 13.6 do vizinho RDC e 11.5 da vizinha Uganda. Também pelo notoriamente baixo índice de corrupção a nível de 48 no mundo, muito bom pensando que o outro mais alto Africano se trata do Botswana a 34. Também por uma esperança de vida a 67 (30 em 1994) (3).

   Ainda se verifica como verdade pelo crescente reconhecimento externo do Rwanda, sendo este país agora participante em vários fóruns internacionais de comércio e boas práticas adminstrativas, como também se assumido como um player regional no quadro do sistema internacional, sendo que assume uma posição dianteira dentro da União Africana.

   Noutro lado da equação, isto é verdade pelo cumprir da regra de três simples para o investimento externo (FDI) no Rwanda, uns inerentes, outros trabalhados: a localização geográfica central (6), à semelhança da Singapura; a estabilidade política (7), cópia do modelo político de Kwan Yew; e a facilidade de fazer negócio (começar um negocio, facilidade de alvarás de construção, obter electricidade, registar no notário propriedade, obter crédito, proteger direitos de minorias de investimento, pagar impostos, comércio além fronteiras, cumprir contratos comerciais e legais, resolução de insolvência e bancarrota), adotado do modelo de gestão Singa.

   Porque é que isto é tão importante para o continente?
   Demonstra a países em situações tão semelhantes, o vizinho Burundi por exemplo - que há uns anos se encontrou na encruzilhada do Rwanda pre guerra, a RDC que se perde num oceano de corrupção endêmica e mostra um primeiro ar de transição pacífica de poder de Félix Tshesikedi, também podem ter uma nova política, uma nova realidade fora da peste, Praga e fome.
   O século XXI conectou como o século da Ásia. Quiçá, com o seguimento do exemplo do Rwanda, não se vá a tornar também no século da África renascida.

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