Argélia: O ressurgimento da primavera árabe?


      É difícil não ficar impressionado com os protestos das últimas semanas na Argélia, em que os jovens são o detonador de uma revolta que encerra uma era histórica. Milhares de argelinos saíram à rua para exigir que o presidente, Abdelaziz Bouteflika, com 82 anos e gravemente doente, não se recandidate para um quinto mandato presidencial nas próximas eleições.  
   Bouteflika cedeu e garantiu que não se iria recandidatar, adiando assim as eleições. Os manifestantes suspeitam que este adiamento da eleição signifique apenas uma jogada do chefe de Estado, o que originou mais protestos e exigindo que os mais próximos do chefe de Estado abandonem o poder. Os protestos evoluíram para uma crítica generalizada ao sistema político e à classe governante como um todo.
         Desde 1999 no poder, Abdelaziz Bouteflika vence as eleições que colocaram fim à guerra civil iniciada em 1991, em que morreram mais de 200 mil pessoas em massacres e atentados promovidos pela FIS e pelo GIA. Bouteflika em 2013 sofreu um AVC, não tendo feito mais discursos durante estes seis anos e raramente ter aparecido em público.
        Quando em 2012, a Primavera Árabe atingiu o Médio Oriente, as memórias da violência da guerra civil tiveram um papel fundamental para evitar que a Argélia mergulhasse na anarquia. Um aspeto fundamental foi também o orçamento robusto do país, abastecido pelos altos valores do petróleo e do gás natural, sendo estes os principais produtos de exportação.
O aumento dos subsídios a produtos básicos e a criação de um programa de habitação gratuita tiveram sucesso relativo em conter a insatisfação contra o autoritarismo vigente. Além disso, Bouteflika aboliu o Estado de emergência, em vigor desde 1992, o que ampliou o espaço para a sociedade civil realizar reivindicações.
           Ocorre que, desta vez, a situação é bastante diferente. A queda acentuada do preço do petróleo, a criação e aumento dos impostos trouxeram consigo a insatisfação popular. Juntamente a esta crise económica, o desemprego é também uma enorme preocupação, chegando a 11,7%, mas entre os jovens chega aos 28,3% de acordo com os dados do FMI, sendo importante referir que cerca de 70% da população tem menos de 30 anos.
      Quer isto dizer que a primavera árabe pode ressurgir? Para esta pergunta ser respondida é necessário ser feita uma pequena análise da Primavera árabe de 2011. A Primavera árabe foi uma onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no Médio Oriente e no Norte de África, tendo existido revoluções na Tunísia, Egipto, uma guerra civil na Líbia e na Síria, e protestos que decorreram na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen e protestos menores noutras zonas do Médio Oriente e Norte de África.
Estas manifestações e protestos nestas regiões levaram a mudanças governamentais, governos derrubados, originando uma alteração simultânea da ordem política e social vigente e a instauração de uma nova, sendo este o verdadeiro sentido de revolução. E isto não aconteceu com a Argélia com os protestos das últimas semanas, pois apesar de Bouteflika não concorrer, afinal, às eleições, isto não significa a queda do sistema político vigente.
            Neste sentido, a Argélia tem uma dupla necessidade, seja a de reformar o seu sistema político autoritário, seja o seu modelo económico. A partir de agora, além dos protestos devem também ser observados com uma certa atenção os atos do governo. É possível que o establishment consiga orientar a crise e manter alguma estabilidade, mas o histórico da região em transições políticas é precário.
                                           Fonte Cartoon:https://www.cartoonmovement.com/cartoon/56374


Ana Rita Santos


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