Deveria a rede social Facebook ter feito mais para impedir que
fosse utilizada como um meio para incitar a violência islamofóbica e o discurso
de ódio contra os Rohingya, num país
onde a maioria é budista? A questão de como as redes sociais podem respeitar os
direitos de liberdade de expressão dos usuários e simultaneamente, proteger os
cidadãos de alguns perigos tem sido um dos desafios mais urgentes da
atualidade. Este desafio torna-se ainda
mais complicado, num país como Myanmar, onde grande parte da população
encontra-se a desenvolver a sua alfabetização digital, onde o Estado de Direito
tem as suas falhas e a sua história política, económica, social, étnica e
religiosa aumentam o contexto desafiador.
Pouco depois de Myanmar
se ter independentizado em 1948, uma revolta surgiu ao longo da fronteira deste
país com o atual Bangladesh, onde se exigia direitos iguais para os muçulmanos
a viverem no Estado de Rakhine. Após
anos de insurgência, o governo de Myanmar reprimiu a violência e assegurou um
cessar-fogo em 1954. Todavia, com o golpe militar de 1962 a posição do governo
relativamente às minorias religiosas e étnicas endureceu e os muçulmanos Rohingya no Estado de Rakhine foram novamente vítimas de
repressão. De tal modo, que em 1982, foi-lhes tirada a cidadania, e desde então,
aproximadamente, 1 milhão de muçulmanos viveram nas fronteiras de Myanmar como
pessoas apátridas, enfrentando a ameaça constante de campos de detenção,
deportação, trabalho forçado, violações e abusos sexuais e tráfico humano.
A 25 de agosto de 2017, militantes
armados de um grupo insurgente Rohingya
organizaram ataques ao Governo. No entanto, como
resposta, à crescente ameaça de violência, membros da maioria budista do país
exigiram repressão e iniciaram a sua “limpeza étnica” aos insurgentes da
minoria muçulmana.
Neste clima de
destruição e de afronta à Humanidade, houve uma arma que não só influenciou, como
contribuiu para que o discurso de ódio fosse incitado e propagado. Estamos a falar, da rede social Facebook inundada de posts dos militares de Myanmar.
Posts esses que se referiam ao
Islamismo como uma ameaça global ao Budismo ou com fake news de violações de mulheres budistas por parte de homens muçulmanos.
Deste modo, a rede social foi transformada numa ferramenta de limpeza
étnica.
Membros do exército de
Myanmar foram os principais agentes por detrás de uma campanha secreta
realizada no Facebook que durou meia
década. Centenas de pessoas trabalharam em instalações militares secretas
enviando informações falsas e criando contas também elas falsas, para
disseminar o ódio latente contra os Rohingya.
Esta foi uma arma que teve um grande impacto, uma vez que é amplamente usada no
país e é a principal fonte de informação online
da população.
Assim, a gigante das
redes sociais teve uma tremenda influência na perceção popular relativamente
aos muçulmanos. Isto muito, também, devido ao facto, de monges budistas ultranacionalistas como
Wirathu, terem usado a plataforma para persuadir a população, afirmando que os
muçulmanos são desumanos, violentos e objetivam tornar-se a maioria no país.
O Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas emitiu um relatório onde referiu que o papel das redes sociais
tinha sido significativo no genocídio em Myanmar,
condenando o Facebook por ter sido um
instrumento útil para aqueles que buscam a disseminação do ódio, num contexto
em que para a maioria da população, o Facebook
é equivalente à Internet.
Como resposta, a rede
social admitiu num relatório de direitos humanos relativamente à sua presença
em Myanmar, que não fez o suficiente para impedir que a sua plataforma fosse
usada para incitar à violência. No relatório da Business for Social Responsibility (BSR)
foi recomendado que a rede social reforçasse as suas políticas de conteúdo,
fortalecesse o envolvimento com autoridades e grupos da sociedade civil e
divulgasse com regularidade dados adicionais sobre o seu progresso no país. De
acordo com Alex Warofka, diretor de políticas de
produtos do Facebook, a rede social
não fez os esforços necessários para que a plataforma fosse usada como um meio
de fomentar a divisão e disseminar o ódio.
Por sua vez, o Facebook afirmou ter começado a corrigir
as suas falhas anteriores, para evitar por exemplo, que o mesmo também aconteça
nas eleições de 2020 de Myanmar. Assim, afirmam já ter 99 especialistas em
idiomas no país revendo conteúdos potencialmente questionáveis e expandindo o
uso de ferramentas automatizadas para reduzir a distribuição de mensagens
violentas e desumanas.
Numa investigação da Reuters, esta afirma que o “Facebook está a perder a guerra do discurso de ódio em Myanmar”,
pois a resposta tem sido ineficaz e esse discurso tem-se mantido.
De acordo com um investigador da ONU,
Yanghee Lee, o Facebook pode-se “ter
transformado numa besta, e não naquilo que pretendia ser originalmente”.
Esta afirmação foi dita no contexto da morte de cerca de 9000 Rohingyas e de 700 000 membros da
mesma comunidade que foram obrigados a fugir do seu país. Assim, a grande questão centra-se no facto de, as redes sociais terem sido criadas para conectar pessoas e
reaproximar culturas, no entanto, a liberdade de expressão e a livre circulação
e acesso de informação ajudou a que a vida de milhares de pessoas fosse
colocada em risco e que os seus direitos humanos fossem violados. O pior é que
o Facebook não está sozinho, os
militares continuam a recorrer a várias outras redes sociais como ferramentas
para propagar a violência, como é o caso da rede social russa VKontakte. Em pleno século XXI o Facebook, de uma maneira fácil e dissimulada, incitou a um
genocídio, incitou a um crime contra a Humanidade.
Inês Vieira Soares, nº de aluna: 222186
Fonte da Imagem: https://www.wired.com/story/how-facebooks-rise-fueled-chaos-and-confusion-in-myanmar/
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