De boas intenções estão as mãos de Israel cheias

“It is in the nature of imperialism that citizens of the imperial power are always among the last to know–or care–about circumstances in the colonies.” Bertrand Russell, International War Crimes Tribunal, Vietname, novembro de 1967. 


Fonte: Cartoon Movement

Foi anunciado, em letras grandes, pela Comissão de Inquérito Independente das Nações Unidas que não haverá justificação possível da parte de Israel e das suas forças de segurança para a utilização de munição real contra os protestantes palestinianos aquando da sua manifestação na Grande Marcha do Retorno que teve início em março de 2018. No entanto, é importante enaltecer que as violações aos direitos humanos não ocorrem somente no momento em que os corpos começam a cair no chão, mas, também, no momento em que através de “pequenas” mas grandes ações estes negligenciam o bom viver de um povo que se viu retirado das suas terras e entregue ao constante conflito. 

Ocorrem quando a educação, fator considerado como fundamental para um desenvolvimento sustentável, se encontra em risco. Estruturas construídas na tentativa de minimizar as dificuldades vivenciadas pelas crianças – inclusive, estruturas doadas por organizações internacionais e pela própria União Europeia – foram demolidas na noite anterior ao início de um ano letivo aniquilando a possibilidade de uma solução mais elaborada para além de um arranque em tendas. O Governo de Israel assume que pretende investir monetariamente na educação pública nos territórios a Leste de Jerusalém, mas não pretende fazê-lo sem segundas intenções que beneficiam o seu projeto de colonizador: na sua maioria, o dinheiro que virá a ser empregue encontra-se reservado para o desenvolvimento de um plano de estudos predominantemente condicionado à narrativa israelita provocando preocupações legitimas como as que são apresentadas pelo presidente da East Jerusalem Union of Parents’ Committees – “(…) They will be feeding our children the Israeli narrative. After 10 or 15 years, this generation will be Palestinian by name but not by identity (…)”. 

Ocorrem, novamente, quando os cuidados básicos de saúde são postos em causa por que o bloqueio imposto por Israel impede a chegada de novos fundos e recursos e provoca a necessidade de se gerir um hospital com medidas austeras pois, caso contrário, não existirá o suficiente para sobreviver. São necessários 300.000 litros de combustível por mês para que os serviços tenham um funcionamento adequado e, neste momento, em Gaza existe menos do que 40% desse valor. 

Ocorrem, por mais uma vez, quando um presidente – completamente exterior ao conflito mas completamente cheio de interesses – decide reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e mover a sua embaixada para esta região. Este reconhecimento não foi a chave mestre para a resolução do conflito, este reconhecimento foi uma forma de tentar abalar as ambições de uma Palestina livre e de perpetuar o sistema opressor com “legitimidade” estrangeira. Na sequência desta sensação, a sua expansão continua e o Governo aprovou o estabelecimento de mais de 4,000 unidades habitacionais em Jerusalém. 

E, por fim, os crimes de guerra e as violações aos direitos humanos ocorrem quando os corpos começam, de facto, a cair, visto que, seja em eventos específicos ou no quotidiano, os palestinianos são atirados ao chão com ferimentos graves ou fatais. As forças de segurança de Israel acreditam plenamente que o uso de armas com munição real é admissível pois se assim não o fosse os seus militares seriam punidos por homicídios injustificáveis, mas, segundo testemunhos de familiares de vítimas mortais, não existe um único elemento das forças armadas que tivesse passado um dia sequer na prisão após as mortes enquanto, no final do mês de janeiro, as estatísticas apontavam para um número de 5,298 palestinianos detidos por motivos de segurança

O relatório elaborado pela Comissão é acusado de só ter em conta uma perspetiva e de já ter desde o início das suas investigações o seu resultado definido. Contudo, o relatório apresenta, em parte, as alternativas possíveis. O relatório questiona o porquê da utilização de armas tão letais quando existe na sua posse armas menos letais que efetuam o mesmo efeito de medida de dispersão em caso de ameaça iminente. O relatório questiona se sequer existiu realmente uma ameaça iminente que provocasse a morte e a mutilação de centenas de pessoas incluindo jornalistas, médicos e crianças. 

Em suma, a sociedade internacional não precisa de definir repetidamente no que consiste uma violação dos direitos humanos. Precisa sim, urgentemente, de reconhecer quem efetua essa mesma violação.

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