A paradiplomacia não cai do céu, depende das estrelas da UE

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O Norte de Marrocos constitui desde sempre uma região de interesse para a Andaluzia que ali tem vindo a intensificar a sua ação externa em várias áreas proeminentes. Por ventura, poder-se-á salientar, atestando o suporte da União Europeia no desenvolvimento das intensas relações de cooperação com o Norte de Marrocos que a Andaluzia tem vindo a desenvolver, há três décadas, em todas as áreas de atividade e que tornaram estes territórios numa referência de cooperação transfronteiriça, pelo menos três modelos de intervenção: o primeiro prende-se com as relações entre a UE e Marrocos; depois as relações bilaterais de cooperação entre os Reinos de Espanha e de Marrocos, cada um perseguindo os seus objetivos de política externa. Por último, as relações de âmbito subnacional entre a Andaluzia e o Norte de Marrocos que nos interessam nesta análise focada no empenhamento crescente da região em desenvolver a sua paradiplomacia, o que é possível com o apoio da União Europeia.


Na vida pública do novo tempo do globalismo que significa uma época em que “o Estado tradicionalmente concebido parece querer dar lugar a novas realidades no mundo da vida política internacional” (Sousa Lara, 2017:237), o poder da razão contra a “razão” dos poderes anárquicos é um capital até este momento pretendido, mesmo neste contexto ambíguo do “salve-se quem puder!” pelas sociedades desorientadas e dispostas a assimilar as mensagens, por vezes com veleidades face a outras comunidades mais sagazes e por vezes “mais realistas que o rei”. Um dos fenómenos mais proeminentes deste contexto internacional é a manifestação de novos atores, entre eles os governos subnacionais, como o da Comunidade Autónoma da Andaluzia. 


É evidente que a Andaluzia é em primeiro lugar uma região pertencente à vizinha Espanha e, como tal, as atividades das comunidades autónomas no estrangeiro estão sujeitas às diretrizes, fins e objetivos da política externa estabelecidos pelo Governo de Espanha, através da sua estratégia nacional de ação externa e depois está na Europa desde que existe, sendo essa posição fundamental para que se possa compreender o conceito estratégico e a própria definição da identidade dos europeus na íntegra, principalmente de cada uma das partes com posição reconhecida no mundo. Situada no ponto mais meridional do continente europeu, a Andaluzia é uma ponte de união entre dois continentes, África e Europa e ponto de encontro entre o Atlântico e o Mediterrâneo. Analisarmos a elaboração e implementação de políticas públicas relevantes no âmbito internacional e em particular a política externa, enquanto gradualmente se usa e abusa da semântica neste domínio que a transferência de significação das palavras (metonímia), não raras vezes acaba por perverter, representa um contraponto a essa tal abordagem segundo a lógica do Estado-espetáculo. De facto, trata-se de pensar o contexto e os constrangimentos da política externa, considerando a paradiplomacia que de acordo com Cornago: 



A paradiplomacia converte-se assim numa atividade com características relacionadas com a política externa, procurando no entanto, assegurar o reconhecimento internacional de uma região e não de um Estado-nação.

Há cada vez mais, entre os estudos de paradiplomacia, dados que nos permitem detetar uma conexão entre os fortes sentimentos nacionalistas por parte de unidades subnacionais e o êxito das próprias operações de paradiplomacia.


Para empreender a paradiplomacia é imprescindível o estabelecimento de uma causa nacionalista, sendo a construção de uma forte identidade política fundamental para esse empreendimento. A Andaluzia tem essa estrutura política que no domínio sub-nacional e com o patrocínio das instituições europeias e dos seus programas de desenvolvimento regional permitem a sua ação externa e o seu posicionamento no contexto internacional. “En este contexto, la creciente cooperación Andalucía-Marruecos constituye uno de los ejes básicos de actuación de la Fundación, junto con el Oriente Medio y la UE, los dos otros vértices donde esta institución desarrolla sus acciones, convirtiéndose en un espacio de diálogo y contacto y en un instrumento de aplicación de políticas y ejecución de proyectos en el ámbito de la cooperación euromediterránea”. 

A questão da segurança, numa região com fortes aspirações nacionalistas como a Andaluzia, bem como a defesa do seu próprio património cultural e ideológico, constitui também um velho desafio para os povos andaluzes e também para os europeus em geral. A propósito, trata-se de um assunto protuberante que no dealbar deste século surge inserido na questão da anarquia madura com que convivemos e atendendo especialmente, no que nos diz respeito, o Norte de Marrocos. “The creation of these “bridges” are key deliverables, as the differences among these countries are significant in terms of economic, cultural, and societal issues”.

Por último, o nacionalismo depende de uma mobilização política que evidencia a singularidade da região. A singularidade geográfica da Andaluzía, separada de África pelos 15 quilómetros do Estreito de Gibraltar, conferiu-lhe uma identidade aberta e multicultural, mas não marcou apenas a sua história. Desde a mais remota antiguidade, foi a porta de entrada na Europa de inúmeros povos – (fenícios, romanos, árabes, berberes, castelhanos, europeus centrais ...) e projetou-os para todo o mundo deixando uma profunda marca tanto na cultura europeia como no continente americano.

Não sendo uma novidade, mas antes fazendo parte da tradição histórica da Andaluzia, a vaga de atividade paradiplomática dá-se sobretudo a partir do impulso dado pela UE com a crescente implantação de escritórios de representação desta região por vários cantos do mundo. É através dessa  rede que o seu posicionamento internacional se torna mais evidente, nomeadamente a participação em diversas organizações e a participação em conferências internacionais, como por exemplo a que no âmbito empresarial promove encontros períodicos entre a Andaluzia e Marrocos através da Extenda-Agencia Andaluza de Promoción Exterior, y en colaboración con la Fundación San Telmo. E agora, mais do que nunca, estas ações diplomáticas estão a valer a pena. Exemplo disso é o estreitamento de laços entre Espanha e Marrocos, com 11 acordos bilaterais em múltiplas áreas, firmados por ocasião da última visita dos monarcas espanhois ao Norte de África e da qual toda a Comunidade Autónoma da Andaluzia beneficia. “La visita de Estado de Felipe VI y Letizia a Marruecos y su encuentro con Mohamed VI impulsará las relaciones en energía, conexiones eléctricas, transporte, comercio y mercado de valores”.

A região acumulou grande parte dos seus poderes a partir da década de 80, aquando da transferência de alguns poderes soberanos do governo central para as regiões autónomas, contudo, o que mais tem contribuído para o desenvolvimento das suas atividades de paradiplomacia, são os fortes incentivos económicos que a UE tem dado às diversas regiões dos Estados-membros – “a cooperação transfronteiriça tem um orçamento de 6.499 milhões de euros, em comparação com 3.998 milhões de euros no último período. Os novos programas transfronteiriços serão essencialmente de âmbito regional e local”. Esta área de cooperação também foi fortemente incentivada pelo Presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker. O presidente da Comissão anunciou no seu discurso sobre o Estado da União, em Estrasburgo, uma proposta para uma nova “Aliança África-Europa”, que “aumente substancialmente” o investimento no continente africano e fomente emprego e trocas comerciais

Podemos por isso concluir que esta "vontade" da União, vale tanto como a ação externa desenvolvida pela atividade de paradiplomacia da Andaluzía nas suas relações com o Norte de Marrocos, já que suportando a muitos níveis esse tipo de relacionamento internacional de âmbito subnacional, a Europa acaba por dirimir qualquer hostilidade entre o Estado-central que tenta consolidar a sua legitimidade contra as naturais ameaças das entidades subnacionais, neste caso a região que compõe a Comunidade Autónoma da Andaluzia, enquanto as regiões fortalecem o seu poder, contando com o suporte financeiro da União Europeia.  




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